Para quem não sabe, este ano estou me formando em Filosofia. Um bacharelado que escolhi fazer por realização pessoal. Desde o primeiro ano do ensino médio, fui profundamente tocada por essa disciplina graças a um professor que, mesmo cercado por alunos desinteressados, conseguiu me capturar com uma frase simples: “Questione tudo.”
Questione seus passos, questione o governo, questione até mesmo a existência de Deus.
Aquilo acendeu algo em mim que nunca mais se apagou.
Mesmo assim, optei por cursar Filosofia a distância. Afinal, encarar o caos da cidade de São Paulo para frequentar uma faculdade presencial era impraticável — e, sendo honesta, meu objetivo era mergulhar nos estudos por prazer, não por status ou diploma.
Mas estudar Filosofia por EAD tem seus desafios. O conteúdo das aulas é raso, os debates inexistem e, para ser bem direta, tem aula que parece ter sido escrita por um resumo de IA. Nenhum livro é exigido além do material didático (de no máximo 10 páginas por período inteiro). Isso me incomodou profundamente.
Por isso, tomei uma decisão: preencher por conta própria as lacunas que o curso deixava.
Fiz uma lista dos principais livros e comecei pelo início, pelos chamados pré-socráticos — aqueles que buscavam entender a origem do universo, do ser, da natureza. Cada um com sua teoria sobre o que sustentava a Terra: água, ar, vazio, magia. Um verdadeiro delírio poético e ousado. Mas foi no final desse período que um grupo em especial me chamou atenção: os sofistas.
Os sofistas sempre foram vistos com desconfiança. E talvez você já tenha ouvido falar deles assim: como “vendedores de argumentos”, professores de oratória que ensinavam a arte do debate para quem pudesse pagar — independentemente de qual lado da verdade o aluno estivesse.
Por isso, foram acusados de relativismo, de manipulação, de “vender a alma” em troca de moedas. Sócrates e Platão detestavam os sofistas. Não porque eles fossem burros — muito pelo contrário —, mas porque ousavam viver do conhecimento sem o mesmo compromisso com a tal “verdade universal”.
Mas pare e pense comigo:
será que os sofistas não foram apenas visionários?
Hoje vivemos numa sociedade em que o conhecimento é mercadoria. Em que vendemos não só o que sabemos, mas como sabemos. Temos copywriting, storytelling, marketing persuasivo — todos ensinados em cursos pagos e usados tanto para causas nobres quanto para vender água saborizada a preço de ouro. Nós somos os novos sofistas. Só que com redes sociais.
E nesse ponto, eu os entendo. Eles sabiam que suas necessidades básicas vinham primeiro. Sabiam que seu conhecimento tinha valor, e que ensinar a arte da retórica era uma forma legítima de viver. Talvez fossem até mais honestos do que muita gente hoje: não se diziam mestres da verdade. Apenas mestres do discurso.
E eu, prestes a me formar, continuo questionando.
O que é filosofia hoje, se não um eterno balanço entre o ideal e o prático? Entre o que pensamos e o que conseguimos sustentar com o que pensamos?
Talvez estudar filosofia a distância tenha sido o maior paradoxo que eu poderia escolher — mas também o mais revelador. Porque nesse percurso solitário, aprendi não apenas a questionar, mas a sustentar meus próprios argumentos. E isso, meus caros, é talvez o que os sofistas queriam desde o início: ensinar você a se defender no caos.
