
Nas limpezas de final de ano, sempre acabam aparecendo algumas coisas que estavam guardadas há tanto tempo que nem me dei conta. Este ano, percebi algo que talvez seja inédito. Não sei por que demorei tanto tempo para notar. Quando começamos a organização, meu pai se preocupou com a fachada da casa: pintou o portão, poliu as pedras e deixou a janela da frente bem arejada. E eu?
Corri para limpar dentro do guarda-roupa, organizei minhas gavetas, tirei o pó dos livros na estante. Ele ficou extremamente estressado porque eu não quis parar para lavar o carro. Nem mesmo dar uma duchinha. Apenas aspirei o interior; o exterior ficou para depois. Para ele, as pessoas iam achar que eu era desleixada. E eu, na minha cabeça, pensava: “Se eu deixar o carro muito limpo, ele vai começar a chamar a atenção. As pessoas vão notar que sou eu quem está dirigindo, e quem sabe até querer roubá-lo…”
Foi então que comecei a perceber como somos tão diferentes.
Enquanto ele se preocupa com a fachada da casa e gosta de mostrar a todos os vizinhos que tem netas brincando na garagem, eu sou o oposto. Sempre falo para Teozinha: “Entra, não fica aí fora, não deixa todo mundo te ver.” Minha preocupação – talvez um pouco exagerada – é com as pessoas mal-intencionadas. Sabemos como o mundo está hoje, né?
Essa diferença de perspectiva me levou de volta à adolescência, quando eu tinha 14 anos. Meu pai sempre quis me colocar em situações para se exibir. Ele me matriculou em um curso de inglês para que eu pudesse, durante as reuniões familiares e encontros com amigos, falar a língua como se estivesse recitando poesias. Ele queria que eu criasse um monólogo em inglês só para mostrar às visitas que eu sabia falar. Eu morria de vergonha e nunca quis fazer isso. Isso gerou uma grande briga, porque ele queria que eu me mostrasse, e eu, como uma boa introvertida, queria mais era me esconder.
Essa diferença nunca mudou.
Meu pai ama ir à igreja, mas não é só pela fé. Ele vai para mostrar aos outros o quanto sabe de oratória, o quanto entende, e como consegue se destacar, falando mais alto que todo mundo. Como se estivesse em um ranking superior na escada que leva aos céus.
Eu, nos meus quase 40 anos, percebi que, embora goste de ser ouvida, prefiro que isso aconteça de maneira mais discreta. Comecei a fazer aulas de teatro porque, assim, posso me esconder por trás de personagens. Posso aparecer, mas sem que ninguém saiba o que realmente se passa dentro de mim.
Eu falo inglês, francês e italiano. Mas não sinto necessidade de me exibir falando essas línguas. Se surgir a oportunidade de ajudar alguém, sem dúvida, vou usar meu conhecimento. Mas não para me mostrar.
Gosto de aprender para mim. Para minha diversão e conexão interna com o mundo.
Meu pai sempre quis casas grandes, carros caros, viagens para tirar fotos – uma vitrine de Instagram, só que no mundo analógico. E eu, por outro lado, sempre preferi acumular conhecimento. Estudar, ler, construir argumentos fortes. Mas sou feliz na minha solitude. Eu absorvo tudo isso para mim e não sinto necessidade de exibir.
Eu me divirto sozinha, sem precisar mostrar o que sei para os outros. Ele, por outro lado, não entende o valor de ter conhecimento sem querer exibi-lo. Para ele, conquistas não valem de nada se não puderem ser mostradas. Ele até reclama do meu trabalho, dizendo que com todo o meu conhecimento eu poderia ter um cargo melhor, um trabalho mais prestigiado e remunerado.
Mas a verdade é que eu sou feliz com o que faço. Não preciso de um trabalho que me sobrecarregue. Assim, tenho tempo para estudar, ler e absorver coisas que só eu entendo e aproveito, do meu jeito, no meu tempo.
Ele é externo; eu sou interna. Ele precisa mostrar suas conquistas. Eu preciso guardá-las como tesouros.